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Empresas abraçam a luta contra a dependência química

Espelhos afirmativos para a sociedade:A luta contra a dependência química, ganha aliados dentro do movimento sindical, das empresas e instituições governamentais. Saiba onde buscar informação e auxílio; conheça os testemunhos de quem esta conseguindo manter-se ‘limpo’, saiba um pouco mais sobre as descobertas de tratamento a base da Ibogaína.
 
 
Publicado: 24/08/15
Texto: Regina Ramalho
Foto: Edi Sousa Studio Artes.
 
Cada vez mais pessoas despertam para o fato de que as drogas não são um problema de caráter ou de condições sociais, mas sim caso de saúde pública, mas ainda falta muita informação para que gestores e familiares possam quebrar as barreiras do preconceito e consigam orientar de maneira preventiva e auxiliar as pessoas que estão sofrendo com a dependência química.
 
 
Provocados por estudos desenvolvidos no Instituto Mutare, que tem como principais fundadores, a pedagoga e artista plástica, Camila Patah e o terapeuta em dependência química eCoordenador no departamento sobre Álcool e Drogas do Sindicato dos Comerciários de São Paulo, José Oliveira (ambos limpos). A equipe de jornalismo do Pró Trabalhador foi a campo conversar com adictos, familiares, pesquisadores e empresas.
 
Entrando no vale das sombras
 
O álcool é uma droga (lícita) e a mais usada em todo mundo segundo Pesquisa Global de Drogas (PGD), divulgada no início de 2014. Sendo muitas vezes a primeira porta de entrada para outros vícios.
Foi assim que aconteceu com J.C.R.: Meu pai é alcoólatra, chegava em casa e me batia sem ter nenhum motivo. Quanto mais apanhava, mais revoltado ficava! Em casa faltava mistura, roupas, um pouco de tudo. Queria trabalhar, mas também faltava oportunidade e foi assim que comecei entrar na bebedeira com os amigos, para curtir e esquecer, das dificuldades, que vivíamos em casa. Entrei para o mal caminho e cheguei a ser preso. Consegui um emprego ao sair, mas a depressão, o vazio que sentia e o uso de drogas faziam com que  eu perdesse o respeito das pessoas, que faltasse ao trabalho, tivesse dificuldades de concentração e outras doenças aparecem.
 
Pró Trabalhador: Quando você conseguiu se equilibrar?
 
J.C.R.: Saí por vários motivos o primeiro foi a minha filha, depois comecei a enxergar que estava chegando no fundo do poço e notava que as drogas não estavam me ajudando em nada. Minha saúde foi para o saco eu estava virando bicho, antissocial.  Tenho 27 anos, usei drogas desde os 14 e estou limpo há uns três anos. Ainda fumo cigarros, mas estou fazendo força para largar disso também.
 
 
Pró Trabalhador:  O que mais te afetou?
J.C.R.: É bem difícil, fiz muita coisa errada e tenho muito remorso, arrependimento e vergonha. Perdi mais de dez anos de minha vida, perdi minha companheira. Presenciei os amigos que estudaram comigo evoluindo, uns se tornaram engenheiros outros professores. Isso também me fez parar para pensar. Hoje sem drogas, sem nada errado, com Deus no coração, tenho uma outra visão da vida. Percebi que se passei por tudo isso, a culpa era minha e que devia fazer algo para enfrentar os problemas e seguir.
 
J.C.R. encontrou na fé, no amor a filha e no trabalho como Micro Empreendedor Individual os caminhos para se afastado das drogas.
  
A codependência na família
  
A codependência é quando a pessoa deixa de cuidar de si para cuidar do outro e quando o outro consegue se manter limpo, começa ele a sentir um enorme vazio.
 
P.C.F.: Um rapaz fiel que permaneceu durante muitos anos ao lado de seu companheiro, na esperança de conseguir ajuda para sua recuperação (confira o relato).
  
P.C.F.: O meu companheiro carrega ainda hoje muitas revoltas internas. Na esperança de auxiliar na recuperação afastando ele dos amigos e fontes de drogas, mudamos toda a nossa vida para o litoral. Aqui conseguiu ficar limpo por dois anos, mas mesmo com a mudança, veio a auto sabotagem, fez novas amizades e voltou a usar só que agora não usa mais todos os dias. Depois disso, chegou um momento que eu precisei olhar para mim, caso contrário, viveria dentro dessa atmosfera densa que causa a droga, mas ainda continuamos amigos.
 
 
Espelhos afirmativos para a sociedade:
 
Ainda existe muita desinformação e preconceitos quando o assunto é tratamento e prevenção contra as drogas. Em busca da geração de espelhos afirmativos para sociedade a equipe de jornalismo do Pró Trabalhador, conversou com diversas empresas, que mesmo desenvolvendo algum trabalho neste sentindo apresentaram resistência e temor em conceder a entrevista.  
 
A Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), que desenvolve um trabalho de tratamento e prevenção do uso e abuso do álcool e das drogas, desde 1996, aceitou conversar com nossa equipe e compartilhar suas experiências.
 24-08-15 RH
A chefe do departamento de Saúde Ocupacional Integrada da CPTM, Viviann Pinfari, contou que desde de 2013, a ação passou por um remodelamento; agora trabalhamos para capacitar e sensibilizar os gestores na questão do tratamento e prevenção às drogas.
 
 
“Os gestores passaram a olhar para este trabalhador com um olhar mais humano e também técnico e estarão mais preparados para identificar sinais como faltas, principalmente após folgas e feriados, atrasos e distração”, diz Viviann.
 
Outra novidade foi a implantação dos exames toxicológicos. “O exame é feito através da urina, por sorteio aleatório, voluntário ou por indicação do grupo ou gestor”, explica.
 
 
As pessoas passam a ser atendidas por uma equipe multidisciplinar e apresentam um resultado positivo em 89% dos casos. Viviann também lembra que estudos da CPTM revelam que prevenir e tratar o dependente químico é bem mais barato que contratar outro profissional.
 Personagem 24-08-15
 
“Prevenir e tratar dependentes químicos custa até 7 vezes menos que ter que repor este profissional que não se encontra mais no mercado e cujo treinamento base dura mais de seis meses por linha”, afirma.
 
 
Fabio B. Trigueiro, trabalha na manutenção elétrica, filho de pai alcoólatra começou a beber com 13 anos em farras aos finais de semana, casou entrou na CPTM e começou a faltar.
 
 
“Bebia, faltava e trazia atestados acusando dor de cabeça, tinha pensamentos suicidas, sentia um vazio e aos poucos foi afetando minha saúde, mas ainda estava na fase de negação”, lembra. “Depois de algum tempo lembrei que tinha uma equipe aqui e pedi ajuda, mas já estava em um estado que foi necessária a internação”, diz.
 
 
Pró Trabalhador: Para você qual foi o fator determinante para se manter adicto?
 
Trigueiro: A família também assistida e informada passava a me apoiar, o monitoramento dos gestores também foi fundamental. Aos poucos passava a ter uma visão mais otimista da vida e, agora, com a família reconstruída vou ser pai.
 
 Arnaldo Pais (Pais) é agente de segurança, conta que veio de uma família onde beber era normal.
 
 Paz
Pais: Com oito anos, tomei o meu primeiro porre de vinho, com 14 anos após uma partida de futebol outro porre só que dessa vez de conhaque. Eu era muito tímido e por isso, tinha muitas dificuldades de relacionamento e bebendo eu me sentia bem mais solto. Em 85 entrei na ferrovia e após o trabalho frequentemente ia para o bar beber com os amigos, em casa todos pensavam que estava trabalhando.
 
 
Pró Trabalhador: Como começou o processo de mudança e de que maneira o auxílio do trabalho foi importante?
 
Pais: Quem bebe ou usa drogas normalmente busca grupos afins. Quando trocaram meu gestor por outro que não fazia parte do grupo quebrou umas das relações facilitadoras no trabalho (a outra era a família que comprava para eu beber em casa). Com a troca de gestão por negação da doença acreditava que meu chefe fosse meu inimigo, que me perseguia, mas foi seu monitoramento que me salvou impedindo que eu chegasse no fundo do poço.
 
 
Comecei a participar dos grupos, mas resistente, ás vezes bebia antes e depois dos encontros, quando perceberam que não conseguia sozinho sugeriram a internação. Fui achando que tiraria umas férias e enganaria a chefia, mas após 31 dias lá a minha ficha começou a cair. Conheci o programa dos Alcoólicos Anônimos e comecei a me libertar.
 
 
Pró Trabalhador: Como foi sua saída da internação?
 
 
Pais: Tive receio, logo me avisaram que agora eu ia ter que aprender a lidar com os meus problemas. Uma outra coisa que ajudou neste processo e me mantem adicto há 15 anos foi o trabalho como multiplicador que passei a exercer junto aos jovens. Muitos como eu, mesmo tendo família, trabalho e tudo mais, descrevem sentir um grande vazio. 
 
 
A chefe do departamento de Saúde Ocupacional Integrada da CPTM, conta que o trabalho só foi possível com o auxílio de quatro sindicatos: “Todo o programa foi desenvolvido com o apoio dos Sindicatos Central do Brasil, Sindicatodos Trabalhadores de EmpresasFerroviárias de São Paulo, Sindicatodos Trabalhadores em EmpresasFerroviáriasda Zona Sorocabana e Sindicado dosEngenheirosno Estado deSão Paulo”.
 
Onde buscar ajuda e dicas de prevenção:
 
 
Oliveira fundador do Mutare, nos conta um pouco da sua história de vida: “Fui usuário de drogas dos 9 aos 14 anos, a partir desta fase passei a ser dependente até os 21 anos, conto minha história pois é importante não ter vergonha e falar sobre o problema”, explica.   
 
“Eu trabalhava em uma grande multinacional e ganhava até 12 salários mínimos, não me considerava um drogado, apenas usuário”.
  
Oliveira explica que os usuários passam por três fases:
 
 
Primeira fase- é da negação: sou apenas um usuário,
 
 
Segunda fase- da dependência: não consigo mais ficar um dia sem a droga,
 
Terceira fase- do porco: quando menos se espera já esta pelas ruas, todo sujo se comportando como se não fosse mais gente.
 
Em 2013, Oliveira e Camila Patah, uniram forças e mobilizaram outras pessoas para fundar o Mutare. Camila ressaltou para nossa equipe a importância de buscar tratamento e também de exercer um ofício com a sua própria história.
 Camila
 
“Dois fatores foram fundamentais na minha recuperação, o acompanhamento de minha terapeuta e também o aprendizado das técnicas de arte terapia e suas aplicações nos mosaicos”, revela. “Os usuários ou adictos costumam ser muito inquietos, eu mesma chegava a andar, sem destino, por mais de 30 km por dia”, lembra Camila. 
 
 
Camila explica que o auxílio deve chegar antes da pessoa entrar no fundo do poço: “Além de observar em qual etapa o usuário está é fundamental buscar auxiliar enquanto a pessoa ainda possui vínculos afetivos e profissionais”.
 
 
Outra dica do Instituto Mutare é auxiliar a pessoa na busca pelo auto- conhecimento. “Os usuários costumam sentir um ‘vazio’ e também não percebem o quanto estão magoando os outros e a medida que o ‘vazio’ vai se preenchendo com trabalho, arte, esportes e fé, começamos a perceber que o nós dava prazer, causava grande sofrimento aos outros e tantas outras consequências dolorosas em nossas vidas, essa consciência nos torna mais fortes em nossa decisão de abandonar a droga”, explica Camila.  
A união faz a força
 
O Instituto Mutare é presidido por José Gonzaga da Cruz e coube a ele o desafio de alinhar a experiência que o Sindicato dos Comerciários de São Paulo, já desenvolvia há quase 12 anos, na prevenção de dependentes químicos, com o trabalho de conscientização das empresas e busca de parcerias e recursos para a manutenção e ampliação dos programas.
 
 
“As empresas desejam participar, mas não querem associar a sua imagem a a questão das drogas, por isso, estamos fazendo um trabalho para que elas percebam as vantagens em investir na prevenção e tratamento das dependências químicas”.
 
 
Pró Trabalhador: Dentro da sua experiência existem atividades com mais riscos?
Gonzaga: Percebemos muitos casos de dependência química do álcool entre os açougueiros. Uns reclamam do frio, outros do cheiro da carne e do sangue, buscam alívio muitas vezes no uso abusivo do álcool. Por isso, é necessário desenvolver um olhar diferente. Perceber se o trabalhador está usando drogas e os motivos, deixando de olhar com preconceito. Apreenderemos que também temos uma responsabilidade social, para recuperar esses trabalhadores. Além de, fundar o Mutare, buscamos parceria com o governo do Estado de São Paulo no programa Recomeço e começamos um programa de sensibilização junto a mais de 30 empresas.
 
  Gonzaga
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Estudo inédito da Unifesp com tratamento a base de Ibogaína
 
 Dr 24-08-15
Durante nosso trabalho de apuração adictos e profissionais entrevistados relataram casos de pessoas que tiveram experiências positivas no tratamento de recuperação de dependência química, após utilização da Ibogaína.
 
 
O Pró Trabalhador então foi conversar com o psiquiatra e pesquisador da Unifesp e coordenador do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes, da universidade, Dartiu Xavier que liderou estudo inédito no Brasil, para saber os prós e os contras do uso do tratamento a base de Ibogaína contra a dependência química.
 
 
Pesquisa Unifesp- Entre os anos de 2005 e 2013, a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), tratou 75 voluntários, com medicamento extraído da raiz da Iboga, que é uma planta só encontrada na África e proibida em alguns países do mundo. No Brasil, o uso como medicamento ainda não está regulamentado.
 
Os pacientes acompanhados pela Unifesp, apresentaram após o tratamento uma melhora na qualidade de vida, tais como: voltar a estudar, trabalhar e se relacionar com a sociedade.  
 
Entre as explicações técnicas estão testes que comprovaram que o medicamento contribuiu para o reequilíbrio dos neurotransmissores, adequação da serotonina, dopamina e noradrenalina, responsáveis pela sensação de prazer.
  
Também evitavam que os usuários sofressem as famosas crises de abstinência na fase de desintoxicação, tais como: febre, náusea e dores. Para aliviar estes sintomas os pesquisadores, ministraram a Ibogaína em dependentes de cocaína, crack e álcool e obtiveram resultados positivos.55% dos homens e 100% das mulheres tratadas ficaram livres da dependência por um ano.
 
Durante o uso, feito dentro de hospitais e com acompanhamento médico, os usuários alegaram ter a sensação de regressar ao passado, reavaliar sua trajetória de vida e o caminho que os conduziram a dependência. E após isso, trabalharam as vivências junto com psiquiatras e psicólogos. A pesquisa ainda, busca recursos na iniciativa privada para a finalização dos estudos.
 
Logo no começo da entrevista, antes mesmo de explicar os benefícios o doutor Xavier, fez alguns alertas:
 
Pró Trabalhador: A Ibogaína pode ser considerada um remédio e vale para todos os casos de tratamentos de dependentes?
 
Xavier: Não, ainda não existe regulamentação para o uso como medicamento, não só pelas diferentes fases dos usuários, mas também por cada ser humano ser único e cada caso é um caso, e não pode ser tratado com uma receita de bolo. Por isso, o uso da ibogaína pode vir a ser uma alternativa no tratamento dos dependentes, após avaliação e bateria de outros exames. Muito embora não se tenha constado efeitos significativos colaterais, atualmente ainda sua prescrição está em fase de avaliação.
 
Pró Trabalhador: Quais os principais cuidados para evitar os riscos?
 
Xavier: Em outros países foram constatados 19 óbitos. Entre os possíveis efeitos colaterais estão as arritmias cardíacas, por isso, a rigorosa avaliação e acompanhamento médico feito por intermédio da internação hospitalar. A qualidade do medicamento e a procedência também são fundamentais, os produtos são importados com autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e ministrados como alternativa, quando outros métodos já falharam.  Outro risco causado em razão da divulgação é o charlatanismo, exploração da credulidade pública, anunciando e vendendo como se fosse cura quando ainda estamos na fase de pesquisa.
 
Outras informações:
 
Instituto Mutare (Mudar)-   http://institutomutare.com.br/
Sindicato dos Comerciários de São Paulo-  http://www.comerciarios.org.br/
Programa Recomeço-  http://programarecomeco.sp.gov.br/
Unifesp- http://www.unifesp.br/
Proad- http://www.psiquiatria.unifesp.br/d/proad/proad/
CPMT- http://www.cptm.sp.gov.br/Pages/Home.aspx