Cinismo Viril e o sofrimento psíquico causado a Mulher Trabalhadora
Um dos pontos altos do seminário promovido pela Secretaria Estadual da Mulher Trabalhadora da CUT: Sofrimento Psiquíco no Trabalho foi um convite ao debate, reflexão e descontrução do cinismo viril. Leia entrevista exclusiva com a psicanalista Débora Felgueiras e o relato de Maria vítima de sofrimento psíquico.
Publicado: 07/08/15
Texto: Regina Ramalho
Foto: Edi Sousa Studio Artes.
Na abertura dos trabalhos, a Secretária Estadual da Mulher Trabalhadora da CUT/SP, Vice-Presidenta do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Presidente Prudente (SINTRAPP) e Coordenadora Geral da Escola Sindical São Paulo, Sônia Auxiliadora Vasconcelos Silva, explica:
A ideia deste seminário nasceu das atividades que estamos realizando junto aos grupos mensais de discussão do Coletivo de Mulheres da CUT-SP em conjunto com a socióloga e psicanalista Débora Felgueiras, formada pelo Departamento de psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae e a discussão do tema também vai continuar ao longo do ano em outras atividades propostas no grupo, diz Sônia.
Também participou da mesa a psicóloga e psicanalista, Cleide Monteiro. Segundo a pesquisadora, para combater as ações que causam o sofrimento psíquico dentro do ambiente de trabalho é necessário a promoção de diálogos.
Criar espaços para conversar, contar histórias e questionar as crenças vigentes, permite que prestemos mais atenção no ser humano, sugere.
Cleide comentou que já existem pesquisas que mostram que a chamada geração Y, vem apresentando maior resistência às pressões que podem causar sofrimento psíquico usando inclusive como alternativa uma busca pelo empreendedorismo.
Outro estudo pontuado por Cleide é um alertar para o aumento no número de suicídio dentro do local de trabalho, cometido por gestores, com maior escolaridade e após reuniões e atividades de concentrações e planejamento de diversas áreas, o que segundo Cleide mostra que o sofrimento psíquico não está nesta ou naquela função, mas nas estruturas e processos de trabalho. Por isso a psicanalista recomenda: É necessário mudar os procedimentos, afirma.
Em entrevista exclusiva a agência de notícias do Pró Trabalhador, a socióloga e psicanalista, Débora Felgueiras responde:
Pró Trabalhador: Quais os principais sintomas que alertam para o alcance do sofrimento psíquico em razão do ambiente ou processos de trabalho?
Debora: A identificação às vezes é muito sutil, pois nem sempre o indivíduo adoece logo. As relações acontecem de forma velada, normalmente fazendo com que a pessoa sofra um desvio de função, ou a desvalorização do trabalho.
Pró Trabalhador: O que fazer para melhorar este sofrimento?
Debora: Conversar com outros colegas e identificar a presença dos mesmos sintomas (conversando o indivíduo já se sente até aliviado, pois percebe que não é só com ele, mas sim fruto dos processos de trabalho).
Se unir a grupos de enfrentamento. Nos grupos um individuo se ve no outro e juntos se tornam mais fortes para o enfrentamento. Buscar denunciar a agressão aos sindicatos e outros órgãos para que outros também não sofram com os processos.
Durante a fase de debates as pessoas que assistiam enviavam perguntas a mesa e também faziam pontuações. Mais de um sindicalista presente afirmou que é necessária uma participação mais intensa do movimento sindical para não deixar que o trabalhador adote o discurso da empresa que repassa para o individuo a responsabilidade que é da organização.
Também foi consenso nas exposições, que por serem ainda a maior parte dos cargos de chefias ocupadas por homens, as mulheres serem mais exigidas e vítimas do chamado: Cinismo Viril: atitudes muitas vezes machistas com relação ao trabalho executado por mulheres, com assedio e imposições de metas que ferem a sua feminilidade e desqualificam seu trabalho em detrimento aos homens .
Mas nem sempre o sofrimento psíquico é causado somente por chefes homens.
O relato de Maria:
Nossa equipe entrevistou Maria (que preferiu não se identificar), vítima de sofrimento psíquico causado por processos de trabalho abusivos na fase mais bonita da sua vida.
Maria relatou a nossa equipe que durante a gestação da sua filha, foi vítima de tamanha pressão psicológica realizada por sua coordenadora, que chegou até mesmo a entrar em trabalho de parto prematuro durante o horário de trabalho.
Maria relata que trabalhava em um órgão público como cargo de confiança e o órgão passava por mudança de gestão. A coordenadora que já era terrível entrou em paranóia e começou a querer demonstrar serviço em cima dos colaboradores.
Desviava de função as pessoas, sobrecarregava uns e outros excluía deixando-os por semanas sem ter o que fazer. Costumeiramente chamava a atenção em público e de maneira desrespeitosa e por aí foi uma lista enorme de humilhações e impropérios.
Teve um dia que tivemos que entregar um trabalho importante e estava dando o prazo estipulado pelo chefe de gabinete e a coordenadora no meio do dia, mandou todo mundo desligar os computadores e irem para suas casas, chamando a todos de incompetentes e aos gritos, relata.
Enquanto todos desligavam lentamente seus equipamentos, me aproximei da coordenadora e questionei: fulana... pense bem o chefe de gabinete disse que isso deve sair hoje, como é que você vai fazer isso sozinha?, conta Maria.
Após o episódio, a tal coordenadora, mandou para casa apenas metade da equipe entre eles Maria. Agora não eram mais todos incompetentes, apenas parte da equipe incluindo Maria, que desde então começou a ser ainda mais perseguida pela gestora, que não se sensibilizava nem com o fato de Maria estar grávida.
As perseguições a Maria só pararam após a exoneração da coordenadora em razão da troca de gestão, mas as sequelas do sofrimento causaram não só o trabalho de parto prematuro de Maria durante o expediente, mas complicações inexplicáveis pelos médicos que se estenderam até o final da gestação.
Foi inspirado nas teorias e estudos de Christophe Dejours, que diz: O sofrimento somente suscita; um movimento de solidariedade e de protesto quando se estabelece uma associação, entre a percepção do sofrimento alheio e a convicção de que esse sofrimento resultado de uma injustiça.