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Setor têxtil e de confecção têm a pior crise desde 2008-2009

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A equipe do Pró Trabalhador entrevista o superintendente da Abit, Fernando Valente Pimentel, para entender quais os fatores que impactam no crescimento ou na queda da oferta de empregos no setor de confecções. O superintendente também fala sobre competitividade e a mão de obra imigrante e convida os leitores para uma reflexão da falta de regulamentação dos modos globais de fabricação (Confira).
 
Publicado- 25/08/14
Texto- Regina Ramalho
Revisão- Claudia Dias
Fonte- Assessoria de imprensa Abit
Imagens- Edi Souza
 
Os números divulgados pelo Ministério do Trabalho e Emprego/ Caged revelam que o mês de junho deste ano (confira tabela mais abaixo) foi o pior junho para o setor têxtil e de confecção desde a crise de 2008-2009. Para entender os fatores que impactaram nestes resultados, a equipe do Pró Trabalhador entrevistou o superintendente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), Fernando Valente Pimentel.
 
Pró Trabalhador- Quanto o setor desempregou em São Paulo?
 
Pimentel- 1.314 empregos foram perdidos no mês passado em São Paulo.
 
Pró Trabalhador- Quais os fatores impactaram para essas demissões?
 
Pimentel- São fatores como falta de investimento em infraestrutura, falta de mão de obra, tributação e concorrência global desigual. Mas para entender é necessário resgatarmos um pouco a história.  Não é de hoje que a nossa moeda vem servindo como âncora da inflação, sem falar nas taxas de juros elevadas. Em 2003, quando o presidente Lula assumiu, a indústria vinha numa expectativa boa e as relações internacionais trouxeram um bônus em 2003-2004, como os termos de troca “commodities”.
 
No entanto, o superávit em 2008 causou um apagão nas indústrias brasileiras, com o Produto Interno Bruto (PIB) caindo. A mudança no patamar de câmbio fez com que os juros começassem a ficar mais acomodados. O setor deu uma arrancada no final de 2009. Em 2010, último ano de crescimento da produção até os dias de hoje, ocorreu um aumento positivo do consumo da sociedade, aliado ao crescimento da importação de matérias-primas, tais como fios e tecidos, além de um ritmo forte de exportação. Permitiu que a sociedade ganhasse poder aquisitivo, mas não em ganhos de produtividade compatíveis, em razão da inflação acima da meta e com índices de serviço acima da inflação. É fato que o Brasil tem que interagir com o mundo, mas de forma competitiva, para não acontecer o que está acontecendo hoje.
 
Pró Trabalhador- Quais as previsões da geração de emprego no setor até o final do ano? 
 
Pimentel- No ritmo que está, as previsões são de que, até o final do ano, 5 mil postos de trabalho sejam perdidos em São Paulo e 30 mil nacionalmente.
 
Pró Trabalhador- Quais os fatores contribuem para este quadro de desemprego?
 
Pimentel- A grande preocupação é com o ‘Ciclo dos Importados’ começa na matéria- prima, vai para o fio, depois para o tecido cru, depois para o tecido acabado e termina tudo na importação da roupa. Este estágio de importação da roupa é o mais perigoso, porque quando existe este ataque frontal, aquele que transforma a matéria-prima, obviamente estas indústrias findam deixando de existir ou reduzem o seu tamanho, como está acontecendo. O setor perde a capacidade de reação para uma mudança de cenário.

Pró Trabalhador- De que maneira o governo pode contribuir para que o setor ganhe condições globais de competividade?
 
Pimentel- Algumas medidas foram bem-vindas, como a desoneração da folha de pagamento, devolução de impostos, linhas de crédito para compras de equipamentos, o ‘Reintegra’ para devolver impostos acumulados. Mas existem outras agendas de ação, entre elas a redução da carga tributária, por meio da reforma. Outra ação seria incluir o setor têxtil e de confecções no rol de atividades de alto interesse nacional, entre outras que pretendemos discutir passada as eleições.
 
Pró Trabalhador- O Brasil tem recebido muitos trabalhadores imigrantes. Existem muitas notícias sobre atuação de bolivianos no setor de vestuário. Como a Abit vem tratando a questão?
 
Pimentel- Vou colocar para o leitor alguns pontos que também expus na CPI. Quando discutimos o trabalho escravo ou análogo, não da para colocar o dedo na cara de um setor e dizer que o problema está só com ele.  O setor de costura é um dos que mais emprega no Brasil, ao mesmo tempo há carência de profissionais. Os imigrantes que chegam ao nosso país são muito bem-vindos, mas não da forma como estão atuando. Mas não pode demonizar um setor com 1.700.000 pessoas que trabalham formalmente em confecção e dizer que um setor inteiro trabalha com mão de obra análoga. O conjunto da questão não é apontar o dedo para A, B ou C; é uma questão que deve ser tratada de forma ‘Global’.
 
Pró Trabalhador- Como impedir o trabalho escravo ou análogo?

Pimentel- A questão do trabalho escravo é grave, tem que ser combatida. Deve haver fiscalização, denúncias, investigação, comprometimento público com as melhores práticas de trabalho. Mas não é uma questão que pode ser tratada dizendo “é com vocês”.  É com o governo federal, é com o governo estadual e com o município. Se o Brasil crescer, que é o que todos queremos, será um país que atrairá mão de obra de muitos países vizinhos, principalmente os africanos que falam a nossa língua. Mas aqui vale nosso lema “Fora da legalidade não há competividade sustentável”. Necessitamos de mão de obra documentada para que as empresas possam oferecer vagas para eles trabalharem com a carteira assinada e as instituições governamentais podem contribuir para isso.
 
 Pró Trabalhador- Podemos dizer que trabalho escravo ou análogo é uma questão governamental?
 
Pimentel- A questão é “Global”. Estamos importando a ilegalidade. Nós temos relações com o mundo. Estamos importando mercadorias de países que não tem - nem de perto, nem de longe - um regramento trabalhista, previdenciário e ambiental que nós temos. Não podemos deixar o cidadão chegar até aqui e não ter onde morar, ter custo para se legalizar. Isso sim é estimular o trabalho de forma análogo. O trabalho escravo deve ser coibido, com toda a força da lei, desde a fronteira. 
Fico me perguntando: como a Bolívia está tratando deste tema? Será que ela não está estimulando essa vinda ‘de lá, para cá e cá e para lá’, levando dinheiro? Como nós competimos com isso? Estamos num mundo que é global, mas os modos de fabricação não são globais. Esse é nosso mantra na Abit: “Se os produtos são globais, os modos de fabricação também devem ser globais”. Tem que existir um marco regulatório e essa é uma discussão para termos com a OIT juntamente com a ONU, com os poderes, com os órgãos de fiscalização, com as entidades de classe trabalhistas e patronais.
 
Pró Trabalhador- Qual a mensagem a Abit quer deixar sobre trabalho escravo ou análogo para o leitor do Pró Trabalhador?
 
Pimentel- Seja empreendedor, empregador, trabalhador, seja o que for, existe uma competição mundial. O Brasil, se quiser desenvolver e elevar o nível da sociedade e também competir, terá que se esforçar muito, contar com investimentos, inovação e tecnologia. Isso também demanda pessoas qualificadas, bem informadas e com espirito empreendedor. 
 
‘Não haverá emprego sem empresa’ e ‘nem empresa sem mão de obra’. Até mesmo o sindicalismo não sobreviverá sem sua base. Por isso, é necessário que os sindicatos laborais e sindicatos dos empregadores discutam essas duas agendas: “a agenda da competividade e a agenda da produtividade”. Caso contrário, nós perderemos a nossa indústria se não nos unirmos em busca destas agendas.
 
 
Nota Pró Trabalhador (Fonte Ministério da Fazenda)- Desoneração da Folha de Pagamento. O governo está eliminando a atual contribuição previdenciária sobre a folha e adotando uma nova contribuição previdenciária sobre a receita bruta das empresas (descontando as receitas de exportação), em consonância com o disposto nas diretrizes da Constituição Federal. Em segundo lugar, essa mudança de base da contribuição também contempla uma redução da carga tributária dos setores beneficiados, porque a alíquota sobre a receita bruta foi fixada em um patamar inferior àquela alíquota que manteria inalterada a arrecadação – a chamada alíquota neutra.
 
Nota do Pró Trabalhador- Commodities são produtos padronizados, não diferenciados, cujo processo de produção é dominado em todos os países (o que gera uma alta competitividade). Nestes casos, o preço não é definido pelo produtor, dada a sua importância para o mercado. Geralmente são negociados em Bolsa de Valores internacionais, e seu valor é definido pelas condições do mercado, daí a impossibilidade de o produtor definir seu preço.
 
Nota Pró Trabalhador (Fonte Código Penal Brasileiro)- De acordo com o artigo 149 do Código Penal brasileiro, são elementos que caracterizam o trabalho análogo ao de escravo: condições degradantes de trabalho (incompatíveis com a dignidade humana, caracterizadas pela violação de direitos fundamentais coloquem em risco a saúde e a vida do trabalhador), jornada exaustiva (em que o trabalhador é submetido a esforço excessivo ou sobrecarga de trabalho que acarreta a danos à sua saúde ou risco de vida), trabalho forçado (manter a pessoa no serviço através de fraudes, isolamento geográfico, ameaças e violências físicas e psicológicas) e servidão por dívida (fazer o trabalhador contrair ilegalmente um débito e prendê-lo a ele). Os elementos podem vir juntos ou isoladamente. O termo “trabalho análogo” deriva do fato de que o trabalho escravo formal foi abolido pela Lei Áurea em 13 de maio de 1888. Até então, o Estado brasileiro tolerava a propriedade de uma pessoa por outra não mais reconhecida pela legislação, o que se tornou ilegal após essa data. Não é apenas a ausência de liberdade que faz um trabalhador escravo, mas sim de dignidade. Todo ser humano nasce igual em direito à mesma dignidade. E, portanto, nascemos todos com os mesmos direitos fundamentais que, quando violados, nos arrancam dessa condição e nos transformam em coisas, instrumentos descartáveis de trabalho. Quando um trabalhador mantém sua liberdade, mas é excluído de condições mínimas de dignidade, temos também caracterizado trabalho escravo. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, através de sua relatora para formas contemporâneas de escravidão, apoiam o conceito utilizado no Brasil.