Inútil resistência
No artigo enviado pelo economista e professor Marcos Cintra deste mês o assunto é Tecnologias disruptivas, ou seja, inovações tecnológicas que derrubam velhos processos. Para Cintra é necessário deixar a zona de conforto: É preciso reconhecer o estrondoso sucesso do Uber, Netflix e WhatApp. Impedir a continuidade dessas atividades seria tão absurdo como proibir o correio eletrônico para preservar as vantagens monopolísticas dos Correios.
Artigo enviado por- Marcos Cintra é doutor em Economia pela Universidade Harvard (EUA) e professor titular de Economia na FGV (Fundação Getulio Vargas). Foi deputado federal (1999-2003) e autor do projeto do Imposto Único.
Publicado: 14/10/15
Fotos: Edi Sousa e Nalva Lima Studio Artes.
Atividades inovadoras que mudam paradigmas e afetam práticas estabelecidas normalmente não chegam pacificamente ao mercado. Tecnologias disruptivas (que destroem e/ou substituem as tecnologias antigas) geram conflitos quando ameaçam destruir padrões e contrariam interesses.
Durante a revolução industrial no século 18 os donos de empresas que implantavam máquinas operatrizes modernas em suas linhas de produção eram intimidados e agredidos pelos sindicatos laborais. Na França, temendo o desemprego, os trabalhadores jogavam seus calçados (sabots) nas engrenagens das máquinas com o intuito de impedir o seu funcionamento, dando origem ao termo sabotagem.
Situação semelhante vem ocorrendo no mundo todo, e em particular em São Paulo, quando um motorista da Uber (serviço diferenciado de transporte de passageiro contratado via apps de smartphones) foi sequestrado, agredido e seu veículo danificado por taxistas tradicionais.
Não é apenas o Uber que vem despertando a fúria dos luditas e sabots contemporâneos. Dois outros serviços de grande aceitação mundial entraram na mira dos agentes envolvidos com as velhas práticas. Um é o Netflix, que disponibiliza via streaming filmes e séries a baixo custo, e o outro é o WhatsApp, aplicativo que faz chamadas de voz via internet a custo zero.
Alegadamente, os três serviços citados não apenas ameaçam interesses privados estabelecidos, mas também contrariam a legislação vigente. Para os representantes dos taxistas o Uber é um taxi pirata e para uma grande empresa de telefonia móvel o WhatsApp é pirataria no pior sentido. Já para os canais de TV por assinatura o Netflix é o Uber do audiovisual.
A história tem demonstrado fartamente que a inovação tecnológica gera conflitos e destrói postos de trabalho, mas ao longo do tempo ela cria empregos e gera riquezas em maior proporção. A informática é o exemplo mais evidente desse fenômeno. Se destruiu empregos de datilógrafos, desenhistas, escriturários e secretárias, gerou novas atividades como digitadores, programadores e técnicos de informática. No cômputo final a criação líquida de empregos foi amplamente positiva, e a renda média dos setores envolvidos aumentou significativamente.
É preciso reconhecer o estrondoso sucesso do Uber, Netflix e WhatApp. Impedir a continuidade dessas atividades seria tão absurdo como proibir o correio eletrônico para preservar as vantagens monopolísticas dos Correios.
Um fato a ser ressaltado é que as empresas e setores tradicionais que perderam terreno para o Uber, Netflix e WhatsApp deveriam ter deixado a zona de conforto nas quais se encastelaram. Deveriam ter investido em produtos mais eficientes, qualificados e de menor custo para seus clientes.
É preciso uma abordagem aberta para enfrentar tais questões. Até porque são irreversíveis. Vieram para ficar e o caminho sensato é a incorporação das mesmas nos marcos regulatórios vigentes. Tentar impedir que sobrevivam é dar murro em ponta de faca. Os atuais luditas e sabots só têm a perder se seguirem a linha do confronto porque trata-se de um caminho sem volta, por mais que possam se sentir injustiçados.
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Marcos Cintra é doutor em Economia pela Universidade Harvard (EUA) e professor titular de Economia na FGV (Fundação Getulio Vargas). Foi deputado federal (1999-2003) e autor do projeto do Imposto Único.