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CEGOS FANTASMAS

CEGOS FANTASMAS
Éber é moreno usa camisa social vermelha clara, esta fazendo um ‘sorriso amarelo’ (isso é: um ranger dentes) para os questionamentos dos selecionadores. Publicado: 13-11-2017

Colunista: Éber Anacleto, apresentador, Radialista & jornalista, analista em mídias sociais e palestrante.

Foto: Edi Souza

#PraCegoVer Éber é moreno usa camisa social vermelha clara, esta fazendo um ‘sorriso amarelo’ (isso é: um ranger dentes) para os questionamentos dos selecionadores.

 

“Alô, estamos com uma vaga que está dentro do seu perfil. Qual é mesmo sua deficiência? Visual total? Ah, ok, retorno a ligação depois”.

 

Esse rápido diálogo tem sido comum para profissionais cegos que estão como os RHs gostam de dizer, capacitados para trabalhar. Mas vamos pelo começo caro leitor.

 

A última pesquisa do (IBGE) Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, do mês de agosto de 2017 mostrou que atualmente temos cerca de 13,1 milhões de desocupados, ou seja, sem emprego. Toda essa crise econômica e política atingiu e tem atingido a todos, seja no setor privado ou setor público, a maré ainda não está para peixe.

 

E antes que pensem ou entendam que estarei puxando a sardinha para a classe que pertenço, dos cegos, afirmo com toda tranquilidade e sinceridade que me é possível, não estou. Tudo que iremos conversar aqui, tem acontecido e de uma maneira assustadora.


Sempre recebi desde 2014 ligações de selecionadoras e algumas até com voz sedutora, daquelas que se você não tiver bem com a namorada ou esposa, pode se apaixonar em questão de 5 minutos. A conversa fluía muito bem até que chegava na deficiência e como em uma súplica, quase todas perguntavam meio que afirmando: “Mas você enxerga bem a tela do computador, né Éber”?

 

Eu fazia uma cerimônia e dizia um simples não, que eu sou cego total. O desespero era notável na voz agora não tão apaixonante da selecionadora, mas sim agora era uma voz trêmula dizendo que depois retornaria para conversarmos. Estou dormindo com o celular do lado esperando essas promessas de ligações até hoje.

Esse problema foi aumentando e chegou a níveis terríveis, em que há colegas cegos tão gabaritados para o mercado em suas respectivas áreas, mas que não conseguem nada por ser deficiente visual. É óbvio que as empresas jamais dirão que não conseguem ou não querem, não estão preparadas para receber cegos, sempre ficarão com o discurso de que não é bem assim, dirão que realmente não há vaga. Um dia fui a uma entrevista omitindo que era cego total. Imaginem a expressão da garota que me recebeu, lá estava um cego com bengala e com um celular que falava mais do que narrador de futebol. Fiquei a espera na recepção com toda minha classe e ouvi depois de uns 20 minutos a recepcionista falando que o Éber Anacleto era aquele rapaz com o celular na mão e de bengala do lado. A mocinha selecionadora soltou um “ai meu Deus”, baixinho e veio ao meu encontro todo sorridente.

 

Subimos e fomos para uma sala e ela mais que depressa me perguntou se eu realmente não via nada, eu disse que não sabia nem onde estava meu nariz. Ela ficava atordoada a cada experiência que eu contava e como fazia, até que ela deixou a humildade entrar em seu coraçãozinho e pediu desculpas e começou a perguntar tudo que tinha direito sobre como eu fazia para trabalhar em comunicação, perguntas como funciona o computador para um cego, como eu andava dentro da empresa, precisava de piso tátil para todos os lados? O bate-papo foi muito esclarecedor para aquela psicóloga recrutadora, não fui contratado, mas valeu por ter esclarecido todas as dúvidas.

 

Não sei se por desencargo de consciência, ou por medo de não cumprirem as ditas cotas de (PCD) pessoas com deficiência, algumas empresas aderiram ao contrato do colaborador fantasma. E caro leitor, isso é muito sério e perigoso.

Como funciona?Fazem a seleção normal, como qualquer outra. Mas os cargos na carteira de trabalho geralmente ficam como divulgador da marca da empresa, ou então auxiliar administrativo. Até aí tudo bem, só que esses deficientes visuais assinam toda a contratação e só voltam na empresa para assinarem as férias ou para assinar a folha de ponto mensal.

 

Literalmente ganham em casa seus R$ 500,00 ou R$ 700,00 mais o VR ou VA. E tem mais! Alguns cegos tem a sorte de terem na carteira de 2 a 5 registros nesse estilo fantasma.

 

Não vou aqui me fazer de santo e incorruptível, só quem precisou de um dinheirinho e se deparou com o bolso vazio sabe o quanto é triste e desesperador.Muitos amigos estão nessa situação por não conseguir nada sério, então o jeito foi aderir a essa corrupção deslavada.

 

Mas, precisamos averiguar os dois lados, será que é melhor ficar com 3 contratos desse modo e não fazer nada, só viajar, namorar e curtir a vida? Já que o dinheirinho cairá na conta sem nenhum esforço e a empresa está cumprindo sua cota. Ou talvez tentar rejeitar essas ofertas ao máximo para que essas organizações vejam que os cegos estudaram, se capacitaram e não foi atoa precisam e querem trabalhar com seriedade.

 

O que mais chama a atenção, é que não vemos a fiscalização do trabalho atuando sobre essas corporações com efetividade, por que será?

 

Um grande amigo, também deficiente visual, Coach dos bons, resolveu se mexer e começou um debate na câmara dos vereadores em São Paulo, onde que a temática foi sobre a empregabilidade para deficientes visuais. Foi muito bem aceito, alguns amigos cegos compareceram, todos estavam ouvindo o que a classe cega tinha a dizer.

 

Claro, foi o ponta pé inicial, mas acreditamos que haverá muitos outros encontros. Isso já deu um alívio para muitos que estão precisando trabalhar para se manterem e até mesmo ajudar seus familiares.

 

A temática naquela tarde do dia 24/10/2017, foi somente sobre a deficiência visual e as dificuldades da entrada, ou retorno ao mercado de trabalho. Com certeza algo precisaria ser feito, como disse no começo, não está fácil para ninguém, ainda mais para um cego. Além da crise que passamos, temos o agravante que parece ser difícil um cego trabalhar com um computador.

 

Por mais que temos informações a todo instante pelas telas de computadores e celulares, há ainda muitos empresários, selecionadores, professores, sem saber que existe leitores de telas para os cegos utilizarem em qualquer computador, e leitores gratuitos. Muitos não sabem que os cegos conseguem andar em ambientes internos sem quebrar nada com a bengala, que as vezes não será preciso um piso tátil em uma sala, que atualmente conseguimos escanear e ler digitalizado.

 

Muitos acreditam ainda hoje que os cegos precisarão ter alguém para leva-lo ao banheiro, ou que ele precisará da bondade de uma pessoa boazinha para dar comidinha em sua boca no refeitório.

 

Em tudo na vida, precisamos nos informar, entender o mundo, as dificuldades de cada um e não reprovar ou julgar alguém sem saber o quanto essa pessoa poderá ser produtiva e eficaz a organização.


Éber Anacleto
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